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O valor de fazer com as mãos

Tenho ouvido muito falar ultimamente sobre valorização e desvalorização do artesanato. Leio pessoas opinando que coisas feitas à mão tem sido mais bem aceitas ultimamente (mas é bem ultimamente mesmo). Mas será que é isso mesmo?


Admito que nas revistas mais renomadas de decoração, as peças artesanais são muito valorizadas, e quando digo valorizadas quero dizer que tem um preço alto. Designers que tem feito muito sucesso, como a Calu Fontes com seus azulejos estampados e coloridos, ou Zanini de Zanine que produz mobiliário escultórico de madeira, são figurinhas marcadas na Casa e Jardim e na Casa Claudia, só pra citar as publicações mais famosas no Brasil. A impressão que tenho é que, na verdade, o artesanato só é valorizado por pessoas que, de qualquer maneira, podem pagar por uma decoração caríssima para sua casa. É como se essas peças fossem coisas de elite, de gente rica!


Só que esse tipo de peça não é vista como artesanato, e sim como obras de arte de designers renomados. Mas mesmo assim, são feitas a mão, uma por uma, num studio ou ateliê em que os famosos se sujam, se cortam, se machucam e se esforçam para que os seus produtos fiquem perfeitos.


Agora eu pergunto: qual é a diferença? Porquê muitas pessoas pagam com alegria e ansiedade por uma cadeira que custa 2 mil reais (e muitas outras pagaram depois pelo mesmíssimo produto), mas não pagam 200 reais por um álbum artesanal que foi feito exclusivamente só para elas, para guardar memórias e coisas de valor sentimental, com o nome bordado à mão na capa?

Agora você pode pensar: ah, isso que eles fazem é diferente de artesanato, porque artesanato é aquela coisa de feirinha, que mostra a cultura do artesão, o contexto social e geográfico de onde é vendido. Aí eu respondo: você acha que a Calu e o Zanini não colocam suas referências culturais nas peças que fazem? Se eles escolhem aquelas cores, formatos e materiais com que fazem seu trabalho, é porque eles tem um background riquíssimo de cultura, de estudo e de passado para usar como referência para criar tudo o que criam. Pode não ser de forma explícita, mas tudo que eles viveram até hoje está ali naquelas peças, e isso não é diferente de nenhuma outra pessoa que fabrica com as mãos.


Já ouvi muitos pretensos clientes dizendo que as coisas que eu faço são "só de papel", e não valeriam o preço pedido. Daí eu respondo: "Sim, exatamente! Isso é de papel! É aí que está a beleza! São como esculturas belíssimas feitas com um material tão simples como esse! Uma flor linda de papel cintilante, toda modelada a mão e arrumada num buquê cheio de mais um monte de flores de papel"! Alguns mudam o ponto de vista, outros não.


Ouso dizer que isso não tem nada a ver com a fama do artista. Existem muitos artesãos famosos que não vendem seus produtos pra todas as pessoas que gostam do seu trabalho. Na verdade, um designer brasileiro que já é internacionalmente famoso, o paulista Brunno Jahara, já afirmou numa entrevista (que você pode ler aqui) que "Só tem espaço no Brasil o designer que faz cadeira e mesa". Inclusive, essa frase que está entre aspas é o título do artigo sobre ele! Então segundo ele, se ele fizesse... sei lá... vasos de cerâmica, ele não estaria internacionalmente famoso agora?


Não, eu acredito que esse preconceito com as coisas feitas manualmente vem de um lugar mais complexo. Agora, é claaaaaro que existem artesãos e artesãos! Existem aqueles que fazem as coisas de maneira rápida para fazer mais, não se preocupam com os detalhes nem com acabamento porque acham que é perda de tempo, ou porquê o cliente nem vai perceber, ou porque acham que fazem os melhores trabalhos do mundo e não conseguem ver que precisam melhorar. Por outro lado, existem aqueles que se preocupam com o fiozinho fininho saindo do pé do bonequinho milimétrico pra colocar no topo do bolo do aniversário de ursinho do sobrinho. Qual deles você acha que agrega mais qualidade aos produtos? Qual deles você acha que afugente o cliente?


Além disso, tem outra questão: Qual é a necessidade do cliente que procura pelo produto? Exemplo: Uma vez um pretenso cliente me procurou para fazer um caderno em que ele pudesse desenhar os projetos que estava aprendendo na faculdade, fazer croquis, ilustrações finalizadas para apresentação, etc... esse tipo de coisa. Ia ser um caderno pra ele usar no cotidiano e levar pra faculdade todo dia, e não teria muitas folhas então o caderno iria acabar logo, ele deixaria de usar e ficaria encalhado na estante. Eu dei o meu preço... que ele achou caro! Eu então dei a sugestão de ele aprender a fazer encadernação, pois na cidade onde ele morava eu conheço várias pessoas que ensinam a fazer. Assim, ele poderia fazer os próprios cadernos, não dependeria de ninguém e só gastaria o preço do material. Ele respondeu, para minha surpresa, que sabia fazer cadernos, mas não tinha saco para isso e queria que eu fizesse porque meu acabamento é muito bom (ele disse isso mesmo, viu? Não escrevi só pra me exibir! :D).


Compare esse rapaz com um um outro cliente imaginário, um artista que quisesse fazer um caderno para servir como portfólio e mostrar em empresas e outros lugares em que a apresentação seria muito importante. Já é outra necessidade completamente diferente! Esse cliente precisa de um caderno original e criativo para ser visto por pessoas exigentes. Investir num design diferente nesse caso é fundamental, e provavelmente ele acharia o mesmo preço que eu dei pro cliente anterior barato. Ou seja, para ele o meu produto teria mais VALOR.


Tem uma frase que li um dia desses que esclareceu completamente pra mim a diferença entre preço e valor: preço é o que o cliente paga; valor é o que o cliente recebe. No exemplo que dei aqui em cima, o dono do portfólio receberia muito mais do que o dono do caderno de desenho, pagando o mesmo PREÇO. Entendeu?


Se você que está lendo isso é um artesão que sempre ouve dos seus clientes que o seu produto é caro... reflita aqui comigo: será que você se preocupa com a qualidade do seu produto? E mais uma coisa... será que você está sabendo discernir a necessidade do seu cliente? Será que aquele é o cliente certo pra você, ao invés de você ser o artesão certo pra ele? Essas são as questões que diferenciam um artesão bem sucedido de um artesão preterido pelo consumidor.


Agora, se você que está lendo é um consumidor que acha que produtos feitos à mão são inferiores a produtos feitos numa fábrica, pense no seguinte: coisas industriais são fabricadas em larga escala, e milhares de outras pessoas terão aquilo igualzinho; você só tem as opções de cores, tamanhos e estampas que tem na sua frente, e não pode pedir pra fabricar aquele modelo na sua cor preferida; ninguém se preocupa com a qualidade, detalhes e minúcias de algo que sai de uma máquina, porque não tem ninguém ali no processo de fabricação inspecionando isso... só máquinas! E... a probabilidade do produto que você comprou estragar logo é muito maior.


Por outro lado, o artesão (que se compromete a fazer com qualidade) faz a mesma coisa dedicando várias horas do seu tempo àquele produto, de um jeito que saia próximo à perfeição; investe seu dinheiro comprando ferramentas e materiais caros, se esforça, deixa de dormir e de fazer um monte de outras coisas melhores para fabricar suas peças, e tudo isso com muito amor e carinho por tudo que faz, sem pensar em reclamar como um operário de fábrica reclamaria; o artesão se capacita, faz cursos, procura aprender as melhores técnicas e se especializa para que seus produtos saiam com mais qualidade; além disso, nasce com o dom da criatividade, que eu acredito que poucas pessoas possuem e sabem usar de verdade, e aplicam esse dom para fazer as peças que ele quer vender pra você. Trocando de lugar com ele, você acha que conseguiria fazer aquela mesma peça do jeito que ele faz? Se a resposta é não, então acho melhor você mudar de ideia quanto à sua opinião.


POST FEITO POR UMA ESCOLA DE TÉCNICAS MANUAIS

QUE EU ADORO, A PUPILA, LÁ DE BRASÍLIA!


Quando meus clientes ficam ansiosos para que seus cadernos cheguem logo pelo correio, eu digo que também fico muito ansiosa para que eles gostem. Eu me apego a tudo que sai das minhas mãos e fico muito feliz quando outras pessoas se apegam também, e sinto o maior orgulho de dizer que fui eu que fiz. Pessoalmente, sinto que minhas peças são filhos que eu coloco para adoção, e não tem melhor coisa do que ver outra pessoa cuidando bem dos filhos da gente, né? Só que eu não tenho filhos, então só acho que é! :D


O que você acha do assunto? Dê sua opinião aqui nos comentários! Aproveite e leia um outro post da Dolorez Crochez, dando 8 motivos para vivenciar e valorizar trabalhos manuais. Foi um post colaborativo que ela escreveu em pareceria com um monte de outras pessoas criativas! Ficou muito legal!


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Beijo beijo!


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